"A canção dos NAPA há muito que deixou de ser apenas deles. A história é a deles, mas a canção passou a ser de todos aqueles que, nalgum momento da vida, se sentiram Deslocados. Passou a ser minha, tua e de milhões... de milhões de nós".
Um dia, uma semana ou um mês. Umas vezes mais, outra vezes menos. Todos os anos, a história repete-se: há que desligar da semana que vale pelo ano e fazer o luto eurovisivo (ou depressão pré-eurovisiva ou o regresso à realidade). E este ano (este ano mesmo!) não poderia ser excepção. Pelo trabalho e pela emoção que foi vivida em Basileia, precisei de descansar e, renovado, voltei a olhar para aquela que foi uma das edições mais especiais que já vivi do Festival Eurovisão. E não poderia quebrar a tradição de comentar aquilo que foi a Eurovisão 2025.
Depois de Lisboa, Turim, Liverpool e Malmö, acompanhei o Festival Eurovisão ao vivo e em nome do muy nobre ESCPORTUGAL. E se saí de Malmö (ou de Copenhaga) com um gosto amargo, de Basileia saí com o coração cheio pelo regresso da Eurovisão ao público. Por sentir uma cidade (e um país) unido em torno de um concurso de música (que é muito mais que isso, mas que no cerne é um concurso de música) como nunca havia sentido. E sim, no final tremi... mas já lá vamos.
A emoção foi tanta naqueles oito dias em terras helvéticas que, dois meses depois (!!!!), voltei a ver todos os espetáculos... Óbvio que algumas atuações fizeram parte dos meus dias desde então, outras nem me lembro que estiveram a concurso. Mas o espetáculo corrido, a última vez que o vi foi ao vivo no St. Jakob Park, aquele estádio esgotado com mais de 30 mil pessoas a acompanharem a Eurovisão em ecrãs gigantes (dizem que ninguém vê a Eurovisão... dizem).
E antes de falar da Grande Final, que uma vez mais voltará a ser o foco deste meu artigo, um pequeno apanhado das duas semifinais deste ano. Espetáculos acima do que havíamos visto em Malmö e onde Hazel Brugger ganhou um carinho especial na comunidade de fãs, sendo uma digna sucessora de Petra Mede (que também por lá passou). Destaque positivo também para Sandra Studer e para os momentos de humor que marcaram as duas noites. Contudo, não poderia deixar de falar daquele que foi um dos momentos mais bonitos que vivi numa arena eurovisiva: a homenagem a Céline Dion. Todos esperávamos o regresso da artista ao palco da Eurovisão (chegou a ser mais falado que a própria competição), o que não aconteceu, mas a interpretação dos quatro concorrentes do ano passado (que orgulho na nossa Iolanda) foi digna do momento. Relativamente à outra semifinal, um apontamento ao interval act de 2020: que pena não terem recordado todas as canções e/ou dos artistas que nunca viriam a pisar o palco da Eurovisão. E no que diz respeito aos resultados, que bonito ver todas as teorias dos donos-disto-tudo a caírem por terra: foi a Dinamarca a passar, a Bélgica a ir de vela e Portugal, o nosso Portugal, a passar à Grande Final... mas já lá vamos.
Tivemos o hino e a aventura do troféu até à arena em Basileia, o trio de apresentadoras e referências à quebra do troféu por Nemo (mal sabíamos nós que a história voltaria a repetir-se... mas não em palco). E foi Nemo que abriu as hostes da noite com o seu "The Code", tema que, na minha opinião (e quem sou eu para opinar), deverá continuar a ser o único sucesso da sua carreira... Seguimos com o habitual desfile de bandeiras, este ano sem receios de boicotes à última da hora e com a reação do público a demonstrar que estava tudo em aberto... ou quase tudo! Espanha entrou com tudo, mas foi o cantor de São Marino a levar o troféu da melhor entrada, usando o seu figurino para contornar uma das regras deste ano. Tutta L'Italia! Rainhas em palco, votação aberta e que venham as atuações...
Com um a siso a menos do que quando chegou a Basileia, Kyle Alessandro (cujo apelido Villalobos fez-me acreditar que poderia ser um primo da nossa Sabrina) teve a díficil de abrir a noite. E a canção da Noruega nunca foi das minhas favoritas e ao rever as atuações, foi das que mais me surpreendeu... tendo em conta que não a via desde maio. Acaba por ser uma canção que é um pouco de tudo - é fogo, é saltos, é dança, é figurino - mas que acaba por ser um pouco de nada e cujo significado acaba por ser imposto à martelada. Passou-me completamente ao lado...
O lugar da morte do alinhamento foi entregue, este ano, ao Luxemburgo que não merecia (mesmo!) este presente envenenado da produção. E foi mesmo a produção feita em torno desta canção que me encantou logo na primeira atuação, sendo um dos casos em que uma boa preparação torna uma canção assim-assim num dos produtos televisivos mais interessantes do ano. Com sangue português em palco pelo segundo ano consecutivo (Um off topic: a entrevista que fizemos ao Simi teve de ser repetida por três vezes por falha do microfone, com a versão final a ser gravada sem micro... para depois descobrirmos que tínhamos um outro numa mochila), o Luxemburgo conseguiu pôr-me a trautear a sua canção durante semanas e sim, ainda permanece na minha playlist. Díficil dizer que colocaria esta canção no meu top10, mas claramente que merecia um lugar melhor que a proposta do ano passado e muito acima daquilo que teve na votação final. Para mim, uma das injustiças do ano.
Não há Eurovisão sem surto, nem um dia sem café. E por mais voltas que demos, todos precisamos tanto de café como de surto eurovisivo. E a Estónia não se ficou por um garoto ou um abatanado e levou um café cheio e bem forte para Basileia. O Tommy Cash não canta um chavelho (também não precisa para ir à Eurovisão...) mas conseguiu dos melhores três minutos da edição deste ano, cativando até o mais resistente a este surto-estónio-italiano. Sempre coloquei a canção no meu top10 e, mesmo tendo apoiado a praga que rogámos a todos os jurados que pontuariam a Estónia, até gostava de ter visto esta canção a ganhar (sim, para mim ficaria à frente de "Wasted Love"), porque sendo uma joke entrie tem algo que a diferencia de outras: é uma das boas joke entries. Porque tudo tem espaço na Eurovisão e não queremos o concurso tornado num festival de eruditos e de entendidos na música (já temos que chegue na pré-temporada). Bravo Estónia!
Com menos intensidade do que no dia da Final do ano passado, Israel voltou a ser o protagonista do Festival Eurovisão, com o pós-concurso a chegar a dimensões que ninguém previa aquando do momento da atuação de Yuval Raphael. E se vivemos uma semana em Basileia com protestos pró-Palestina e pró-Israel a conviverem nos mesmos espaços, sabíamos que algo poderia acontecer a qualquer momento... E por mais polémico que possa parecer, sou dos que defende a participação de Israel no Festival Eurovisão, nem que seja para o público eurovisivo não varrer o que acontece em Gaza para debaixo do tapete e continuar a trazer à superfície esse flagelo. Porque sejamos sinceros: expulsar Israel da Eurovisão terminará o conflito de Gaza? Haverão protestos na Eurovisão se o país for excluído? Teremos declarações, como as dos porta-vozes de Espanha, ou imagens como as da emissora belga se tal acontecer? Muito provavelmente não... E assim, sim: prefiro ter o país a concurso e os apelos para a crise humanitária e tudo mais que existe naquela região do globo.
Contudo, a própria Eurovisão tem de arranjar forma de filtrar o investimento israelita na competição e, especialmente, na votação... Mas políticas à parte (como se fosse possível num caso desses), tinha (e tenho) "New Day Will Rise" nos meus favoritos deste ano. Uma prestação poderosa de Yuval Raphael, com uma atuação que foi das mais bem conseguidas deste ano. Merecia um lugar cimeiro por mérito próprio e não por compra de votos! Veremos o que acontecerá para 2026, mas dificilmente teremos um susto como aquele que tivemos nos últimos minutos de votação!
Oportunidade para recordar a Cerimónia de Abertura do Festival Eurovisão, cujas imagens não foram suficientes para mostrar aquilo que foi A cerimónia deste ano. Porque não foram dezenas, nem centenas: eram milhares de pessoas nas ruas de Basileia a ver o desfile dos artistas. Mas chegara a vez da Lituânia que, na minha humilde opinião, levou uma das canções mais aborrecidas do ano... Não sou nenhum entendido na matéria para falar sobre a qualidade da mesma e respeito quem a colocou na Final, mas nas minhas apostas nunca lá chegaria. E ainda bem que temos propostas de todos os quadrantes num concurso que se quer de todos para todos, todos, todos! (Mas passou-me completamente ao lado... mas assim mesmo muito ao lado).
Reza a lenda que a palavra surto foi criada pelos espanhóis (mentira, inventei eu agora esta teoria) e outra diz que o meu mau gosto nunca muda. E há outra - não uma lenda, mas uma certeza - que os meus favoritos nunca triunfam. E Espanha chegou a Basileia como a minha líder isolada e "Esa Diva" continua a ser, de longe, a canção que mais ouço deste maio. Não sei se é meu lado raiano e a minha vertente pirosa, aliado também pelo meu excelente bom gosto, mas continuo sem conseguir perceber a roubalheira que foi feita a Melody... Se merecia ganhar? Não. Se merecia ficar nos primeiros? Epah também não... Mas quase último? Estava em ácidos mas ver esta atuação ao vivo na arena ficará para sempre na minha memória... e sem falar nos momentos em que passava no Euroclub. Espanha jogou como nunca, mas flopou como sempre! Mas que nunca nos faltem as Melody's nos nossos alinhamentos...
Seguiu-se a Ucrânia com uma das canções mais interessantes do ano e a menos-eurovisiva da temporada. Contudo, se as expectativas estavam altas para a atuação... eis que ceguei com tanto filtro e luz néon. Inocentemente cheguei mesmo a acreditar que a Ucrânia não conseguiria passar à Final (... e os próprios artistas pensaram o mesmo, tal eram a pressão que sofreram nos dias antes da gala) e que, a irem à gala final, ficariam longe da primeira metade da tabela. Inocente como nunca, enganado como sempre. Nota mais que positiva para os efeitos com as luzes entre as backing singers e o vocalista. Slava Ukraina! (E que voltem os tempos que a Ucrânia consegue bons resultados pelo mérito das propostas e não pelo que vive no seu território...).
Um off topic: quem me conhece, sabe o quanto vibro com regressos ao Festival Eurovisão. E não poderia deixar de passar por este "regresso" de Sandra Simó: 24 anos depois de representar a Suíça em Roma com "Canzone per Te", apresentou a edição deste ano e, com o mesmo vestido, recordou a canção perante milhões de espectadores. Que bom um país organizador não esquecer o seu passado na Eurovisão!
Das terras de sua majestade veio uma das canções que sempre disse que seria uma das maiores incógnitas da edição... e finalmente não estava enganado. O trio do Reino Unido cuja música, na minha opinião, continua a lembrar-me o genérico da "Doce Fugitiva", trouxe os despojos da BBC todos para palco, mas a atuação acabou por ser uma salsada sem tempero nenhum. Valeu pela alegria e pela felicidade que emanavam, porque o resultado do público estava a prever-se... Surpresa mesmo foi o top10 do público. Nem a Eurovisão seria a Eurovisão, sem o null points britânico.
Desde o lançamento de "Wasted Love", senti que a canção disputaria um lugar cimeiro no Festival Eurovisão: contudo, nunca me consegui apaixonar por esta canção. Apreensivo com a atuação em palco, admito que acabei por ficar desiludido com o resultado final. Se a primeira metade da atuação fez juz ao que esperava, a segunda acabou por ser... "estranha". Pelos vistos, o júri (e também, em certa parte, o público) teve uma opinião contrária e a Áustria acabou por sair vencedora de Basileia. Ainda que com bastante mérito na vitória, sinto que "Wasted Love" acabará, rapidamente, no lote de canções onde repousam "The Code" e "Stefania", entre muitas outras, como canções do nicho eurovisivo. Se há mal nisso? Nenhum, mas a Eurovisão precisa de canções vencedoras que extravassem a bolha eurovisiva e, nos últimos anos, vejo alguma dificuldade em isto acontecer... infelizmente.
Co-protagonistas da Eurovisão do ano passado, os Países Baixos meteram, desde cedo, a carne toda no assador e levaram para Basileia "C'est la vie", a canção mais completa deste ano. Descontraída, com um refrão orelhudo, com potencial para muito... acabou por ser uma das prestações que mais perdeu em palco. Admito que, a rever a Final, parece que a atuação foi trocada e que colocaram outra canção por cima. Gostava de ter visto esta canção muito acima na tabela... e no meu top pessoal. Pena, muita pena. Mas faltou brilho, faltou intensidade... faltou tudo mesmo!
O empoderamento feminino foi, queíramos ou não, um dos temas mais presentes nas canções deste ano. E à cabeça do movimento tinhamos "Ich Komme" da Finlândia. Erika Vikman manteve-se fiél ao que conhecíamos de si e da atuação que vimos na final nacional e, sem o apoio do seu país (é mau dizer, mas na Finlândia parecia que preferiam a canção dos finlandeses que foram pela Suécia), acabou por ficar muito aquém do que era esperava... mas provando aquilo que cantava. Em 2025 ainda faz confusão a muita gente ouvir (ou ver) uma mulher empoderada a cantar sobre prazer... e ter prazer. Afinal 1969 não está assim tão longe... Não a colocaria a disputar a vitória mas merecia, pelo menos, um lugar no top10. Uma das injustiçadas deste ano!
Itália é, ano após ano, um dos países que figura nos meus favoritos da Eurovisão: apesar de não liderar, este ano não foi excepção. Com uma das mensagens mais tocantes e sinceras do ano, "Volevo essere un duro" foi uma das grandes canções deste ano, com Lucio Corsi a manter-se fiél ao seu percurso e a levar o melhor produto musical do ano. Relativamente aos adereços utilizados, continuo sem perceber o uso daqueles amplificadores de época gigantes, mas nada que me aflija. Mas, na minha opinião, a grande vitória italiana foi o desmonstrar que é tempo de mudar as regras do concurso, com a regra de proibir qualquer instrumento de ser tocado ao vivo a não fazer qualquer sentido. Um grande Tutta l'Italia! Bravíssimo!
Da Polónia veio aquele regresso que é "O" regresso, com Justyna Steczkowska a quebrar o recorde de 24 anos que separaravam duas das prestações eurovisivas de Anna Vissi. E se é díficil acreditar que Justyna era a artista mais velha a concurso em Basileia, mais díficil é acreditar que a Justyna de 2025 é a mesma de 1995 e que as atuações não foram trocadas. Mas foquemo-nos na atuação deste ano, onde havia de tudo. Havia força, havia intensidade, havia fogo, havia voo e havia excertos estranhamente escolhidos. Havia presença, havia mais intensidade ainda. Só não havia uma canção que conseguísse chegar a um público geral. Para mim, "Gaja" mostrou a minha coerência na incoerência: tanto figura nas minhas favoritas, como é uma das canções que passo imediatamente à frente. No entanto, pelo que vimos em palco, nunca poderia ficar nos últimos do júri... mas ficou.
Se o Euroclub de Basileia votasse, a Alemanha quebrava o enguiço e ganhava a Eurovisão com a maior marca de sempre. Felizmente para nós portugueses, o Euroclub não vota e o recorde continua a ser nosso. Mas para quem não teve a oportunidade de assistir a Eurovisão ao vivo, "Baller" era a canção que deitava tudo abaixo. Mas chegou a palco e, conforme já esperava, acabou por apresentar muito pouco daquilo que merecia e precisava. Virou um hit dos próximos euroclubs mas não virou a tendência que lhe coloquei na pré-temporada: um dos últimos lugares do meu top. São três minutos óptimos para uma discoteca ou um concerto ao vivo... na televisão foram apenas três minutos de ansiedade e de vontade de passar à frente.
Longe dos tempos aúreos da Eurovisão e depois de passar pelas passinhas de Mikonos (um trocadilho com as "passinhas do Algarve"), a Grécia voltou a apostar no que era seu... mesmo tendo levado uma réplica da Catarina Miranda. Com a intensidade que a canção pedia e com um sentimento notório na voz de Klavdia, sem esquecer a alfinetada política que escondia (e bem escondida que ficou, passando pelo crivo da EBU/UER), a Grécia trouxe outro dos melhores produtos do ano. Uma surpresa no que diz respeito à atuação, bem como aos resultados. Esperamos que a Grécia tenha percebido que, apostando no que é seu, os resultados aparecem... E até podemos esquecer esta canção, mas não poderemos esquecer aquilo que nos deu: o melhor vídeo de reação ao apuramento de sempre!
Seguiu-se a Arménia, país que trazia uma das minhas canções favoritas deste ano. Não me desiludiu em palco e foi notória a evolução que trouxe desde a final nacional, sendo um daqueles casos que se ama uma canção sem razão notória. Contudo, quis a sorte ou o destino (ou os dois talvez) que tivesse a oportunidade de conhecer o PARG em Basileia ao vir atender uma chamada em pleno Euroclub. Quem me conhece sabe que o meu inglês é qualquer coisa de maravilhoso, portanto dá para imaginar a atrapalhação que foi falar com ele. Numa breve troca de palavras, deu-me um abraço quando lhe disse que tinha "Survivor" como uma das minhas favoritas e disse-me que a canção de Portugal era uma das suas favoritas deste ano, tendo-me ainda falado da "saudade, saudade", a favorita da mulher. Tudo isto enquanto esperavam pelo transporte para o hotel, mas onde era notório que estava a viver o seu sonho. Porque nem todos são vedetas quando vão para o maior palco do Mundo e muitos estão ali a viver o sonho da sua vida... como muitos de nós a cada ano. E se já tinha "Survivor" nos meus favoritos, desde aquele dia guardei a canção num lugar bem especial.
Suíça. E aqui vou ter de me controlar... Zöe Me teve a díficil responsabilidade de representar o seu país no seu próprio país. Com a simplicidade que a caracteriza, a cantora levou para o palco de Basileia (cidade onde, uma semana antes, quase fora coroada rainha tal era o entusiasmo na sua passagem na Cerimónia de Abertura) uma das canções mais bonitas que a Eurovisão já recebeu. E descrever "Voyage" como "uma canção bonita" é um dos maiores crimes que já vimos: é uma obra de arte na sua plenitude. É intensa, é suave. É complexa, é simples. E o único defeito que lhe consigo encontrar é ser boa de mais para a Eurovisão. Já pensei em mil razões, mas nenhuma (nenhuma, mesmo nenhuma) justifica o roubo que ali foi feito... Porque no momento em que via a Suíça a saltar para a liderança da votação (e a ter a vitória praticamente garantida), levar o maior balde de água fria da minha vida eurovisiva com estes zeros pontos, senti que tudo acabava ali. Para a história fica uma das maiores canções da Eurovisão. De toda a Eurovisão. E o maior roubo logo a seguir ao roubo de Olivença... Sem dúvidas: para mim ganhava.
Espelhando o ditado "depois da tempestade vem a bonança", Malta seguiu-se no alinhamento. Se antes da Eurovisão, dava o país como um potencial vencedor surpresa, rapidamente notei que perdi uma nova oportunidade de estar calado. "Serving" chegava a Basileia com uma das maiores polémicas no bolso devido ao trocadilho com a palavra "Kunt". E se pensava que a proibição e a sucessiva mudança no refrão, seria um ponto a favor, todo o impacto visual desfraudou logo qualquer previsão. Tudo o que estava em palco, estava em demasia. Eram pernas nos ecrãs, eram lábios gigantes, era vermelho, era amarela... era tudo em demasia. Na guerra do empoderamento perdeu claramente para a Finlândia e no meu top desceu virtiginosamente, não me tendo chocado a classificação final (o flop no televoto sim!). Para a memória guardarei as cuecas de fio dental com padrão trigresa que recebi da comitiva de Malta...
(Por aqui atuou Portugal e, como habitual, guardarei para o final deste artigo)
A díficil tarefa de fechar o alinhamento foi entregue à Albânia, curiosamente a primeira canção a ser escolhida para o Festival Eurovisão 2025. E se num primeiro instante, "Zjerm" foi parcialmente desprezada pelos eurofãs face ao fanatismo (ui, já lá vamos!) para com outra proposta, a canção dos Shokodra Elektronike foi ganhando o destaque merecido que, com o revamp bem conseguido, transformou-a numa das melhores canções que o país já levou à Eurovisão. Pela etnicidade presente na candidatura, esperava uma atuação completamente diferente, mas nem isto fez com que "desgostasse" do resultado com que nos presentearam, mas talvez tenha sido uma das razões pela tão baixa e injusta classificação dos júris nacionais. Três minutos de qualidade que nenhuma taxa de participação consegue cobrir!
Terminadas as atuações foi tempo da votação, mas também tempo de termos algumas das anteriores participações helvéticas em palco. E ter o regresso de Paola com "Cinemà" ao palco da Eurovisão fez-me ter um ataque de quase histerismo, ainda que todos esperávamos, a qualquer momento, a chegada de Céline Dion... que nunca aconteceu. Tivemos também o duelo de Käärijä com Baby Lasagna que, apesar de inesperado, conseguiu convencer-me, ao contrário da atuação de Nemo, em que só me apetecia desligar a televisão... que não existia. Mas o artigo já vai longo e vamos ao que importa realmente: Portugal.
Tal como havia acontecido no ano passado, acabou por ser um ano em que estive mais desligado do Festival Eurovisão do que estava outrora, não sei se pelo desenrolar da vida pessoal, se da idade ou se até do rumo que o Festival da Canção levou nos últimos anos. Sem entrar em fanatismos desbarbados e que envergonham qualquer pessoa, tinha os meus favoritos. Nunca tive os NAPA no meu top3 do Festival da Canção, mas sempre estiveram lá perto... muito perto. E recordo-me de dois episódios de dias antes do Festival da Canção: um dos meus melhores amigos enviou-me um vídeo com "Deslocado" e disse, confiançudo, que "estes é que deviam ganhar o Festival da Canção". Eu li a mensagem, ri e respondi... mas ficou-me na ideia; na tarde da Final do concurso, lembro-me de ouvir o "Deslocado" e de, num click, recordar-me do quão infeliz fui em Lisboa. Dos anos que lá vivi devido aos estudos, da vontade de regressar "à minha casa" e do pior de tudo: "a solidão que assombra a hora da partida".
E naquela noite de março ganharam os NAPA e dei por mim a festejar como se tivesse sido eu a triunfar no Festival da Canção. Porque foi um triunfar da verdade contra os fanastismos que, dias antes, até me tinham atacado a mim e aos elementos do ESCPORTUGAL por não termos os mesmos favoritos que a comunidade... E é por essas e por outras que os eurofãs são, muita vez, apelidados de um bando de malucos (e infelizmente cada vez com mais razão de ser, mas misturando o trigo e o joio).
Basileia foi logo ali e, como nada na vida acontece por acaso, os NAPA cantaram(-nos) a sua história numa terra em todos sabem "a solidão que assombra a hora da partida". Numa terra e num país que foi e continua a ser o porto de tantos deslocado(s), foram inúmeros aqueles que encontrámos nos dias em que estivemos lá. E se o coração português sempre acreditou numa passagem à Final (e repito: acreditei até ao último segundo), foi já em terras helvéticas que o click se deu...
O ESCPORTUGAL tem, ao longo destes longos dezasseis anos, sido o responsável por alguns dos melhores momentos e experiências da minha vida e, em Basileia, vivi tantas. Porque num ápice deixei de estar a festejar em frente da televisão e estava ali, lado a lado, com um grupo de rapazes que cantaram a sua história no edíficio anexo do Eurovision Village. Porque aquela canção nunca foi só de madeirenses como as más línguas teimavam em dizer nas redes sociais: era a história de um grupo de amigos que deixou a sua terra para seguir a sua vida. É a história de cada um de nós em que, num momento da sua vida, teve de sair de onde é feliz... para seguir a sua vida. A história de tantos que deixaram as suas casas à procura de novas oportunidades, por amor, por necessidades ou por sonhos. E o sonho comanda a vida... Era a "ilha, paz, Madeira", mas podia ser Alpalhão, São Romão, Campo Maior, Fundão, Lisboa, Barcelona, Atenas... pode ser qualquer sítio "que não me convoca casa".
E que orgulho senti naquela atuação onde os NAPA não mudaram a sua forma de estar em palco (quem já teve a oportunidade os ver ao vivo, sabe do que falo)! Que felicidade senti naquela passagem (voltou a dar um daqueles vídeos de milhões)! Que representado eu me senti naquele "Basel" e naquelas palavras. Ali naquele palco não eram apenas cinco jovens artistas: éramos todos aqueles que continuamos esperançosos com o "sossego de poder voltar". O de voltar mesmo que um dia já não possamos dizer: "Mãe olha à janela que eu estou a chegar". Naqueles três minutos fomos todos NAPA e os NAPA foram milhões de vozes, mesmo aquelas que teimavam em não aceitar. E foi bonito, NAPA!
No seguimento da nossa canção, permitam-me que partilhe convosco um dos momentos que vivi em Basileia e que, certamente, não esquecerei na minha vida. Numa das tardes de passeio (sim, também se passeia na semana da Eurovisão), encontrámos num autocarro uma mãe portuguesa com dois filhos crianças, com o mais velho, não tinha mais de 6 ou 7 anos, a olhar imediatamente para as nossas acreditações e a perguntar, em bom português, à mãe se "éramos os cantores de Portugal". Sem vergonha (quem me consegue, comprova), resolvi responder que "não me queria ouvir a cantar certamente" e perguntar se gostava da Eurovisão. Com uma camisola da saga Pokemón, respondeu-me que sim e disse que a favorita dele era a da Alemanha porque sabia falar alemão (ficou muito admirado quando lhe disse que eu não sabia nenhuma palavra naquela língua). Procurei na minha mochila e dei-lhe um pequeno crachá da Eurovisão (e outro à sua irmã que pediu logo também um). Agradeceu-me e olhou-me com um olhar de felicidade como há muito ninguém me olhara... Saímos na mesma paragem e fez-me um adeus e desejou-me sorte para a Grande Final. Não lhe decorei o nome, mas sucessivamente vem-me à ideia aquele olhar de felicidade de ter uma "prenda da Eurovisão", conforme ele disse para a mãe. E lembrei-me de mim próprio - uma criança, fá de pokemons e da Eurovisão - quando recebi a minha primeira "prenda da Eurovisão". Mas lembrei-me, acima de tudo, da sorte de não ser um "Deslocado". (E escrevo isto a ouvir a canção...) Da sorte de ter vivido sempre (ou quase sempre) na minha terra, na terra dos meus país, rodeado de família, de primos, de amigos... de memórias. E lembro-me daquele miúdo português que vive na Alemanha: será que aquele país "lhe convoca casa"?. E depois há quem diga que a canção dos NAPA é apenas sobre os madeirenses... E eu volto a lembrar-me daquela criança e dos seus olhos de felicidade com o pequeno crachá da Eurovisão e da sorte que tive. Porque a Eurovisão, para mim, será sempre muito mais que apenas um concurso. Será sempre muito muito mais. E que sortudo eu sou...
E revistas todas as atuações, esta seria a minha classificação final da Eurovisão 2025:
(entre parênteses, as canções que ficaram pela semifinal)
1.º Suíça
2.º Espanha
3.º Itália
4.º Albânia
5.º Suécia
6.º Estónia
7.º Portugal
8.º França
9.º Arménia
10.º Israel
11.º Países Baixos
12.º Finlândia
13.º Grécia
14.º São Marino
15.º Chéquia
16.º Luxemburgo
17.º Austrália
18.º Dinamarca
19.º Islândia
20.º Montenegro
21.º Malta
22.º Polónia
23.º Ucrânia
24.º Noruega
25.º Áustria
26.º Sérvia
27.º Eslovénia
28.º Alemanha
29.º Reino Unido
30.º Irlanda
31.º Geórgia
32.º Letónia
33.º Chipre
34.º Lituânia
35.º Azerbaijão
36.º Bélgica
37.º Croácia
E depois daquela que dizem ter sido a Eurovisão da vergonha e da hipocrisia em Malmö, vivemos uma Eurovisão em que o povo saiu à rua e em que voltámos a perceber que a Eurovisão precisa de pensar no rumo que o Mundo está a levar. Uma Eurovisão em que o slogan "United By Music" extravasse as barreiras da música e da geopolítica e que se consiga fazer juz às bases que criaram este concurso.
De Basileia trouxe a bagagem cheia de experiências e de memórias, de uma semana em que voltei a viver o sonho que, ano após ano, tenho a sorte de concretizar. As memórias do Nuno criança a ver este concurso e a sonhar em vivê-lo in loco. Mas trago a memória de ter conhecido um grupo de artistas que guardarei sempre na minha história, mas também da sorte que todos temos ao lembrar-me da criança que encontrei. Que a Eurovisão continue a ser isto tudo e muito mais: uma comunidade de partilha e de amor, mas um espaço onde a música une até os mais afastados. Que nunca nos destruam este sonho. E que venha a Eurovisão 2026.
Até para o ano!
Artigo de Opinião de Nuno Carrilho

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ResponderEliminarConcordo, mas continuas a ser burro
ResponderEliminarNão concordo com a posição acerca de Israel. De resto, parabéns
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